segunda-feira, 11 de abril de 2011

Uma jornada inclusiva

Uma jornada inclusiva que se inicia 10 minutos faltando para as 20h. Fui o primeiro a chegar (à porta do Mr. Pizza na Praça), uma vez que a Paula estava sentada num dos banquinhos do outro lado da estrada desde à 10 minutos atrás (de certo que aprendeu a não ser pontual!!).
Fomos chegando, e entrando também, de tal forma que vimos o Manchester United a marcar golo. Foram 4 pizzas (Mr. Pizza, Caldeirada, Vegetariana e Outono) para 12 pessoas, deliciosamente acompanhadas por Pepsi, água, e B! limonada. Como condimento, a conversa divagou entre economia, penteados de jogadores da Champions, amor e a dopamina (na outra mesa não faço ideia!)… Sei, sim, que deixámos o Manchester a vencer 1-0 ao Chelsea com o golo do Roney a caminho do D. D..
A escolha do ‘caminho das virgens’ como percurso revelou-se bastante adequada perante o considerável número de primeiras vezes dos participantes, tanto naquele caminho, como no afamado Dom Dinis.
O deslumbramento com o edifício foi completo e generalizado devido ao seu ambiente acolhedor, simples, grandioso e tocante. O que nos esperava de seguida iria revelar-se também surpreendentemente cativante, apaixonante e esclarecedor:
O Miguel mostrou uma grande capacidade de comunicação e expressão das suas ideias. Foi ele a figura. Foi ele o criativo da noite. A revelação.
Ele começou por falar do seu coração, “O meu coração…”, a querer provar que os autistas têm coração, que sentem. Mostrou-o logo na forma como contou que lhe perguntam muitas vezes se os autistas sentem. Logo aí deixou ter algo para provar acerca disso. O poema, se tinha alguma função, a partir desse momento, passou a ser apenas o de mostrar o seu enorme talento. Acabando com “…o meu coração”, deliciou-nos com a perfeita noção da sua condição genética, e da forma como tira proveito dela.
“Geneticamente alterado…”, assim começou e acabou, dando a conhecer algumas características que definem os autistas. Mostrando que para ele o que é apenas o é, sem conhecer o que pode ser. Simplesmente o é.
Foi Noé, afirmando que “Há uma vontade de ir mais além…” (http://66.228.120.252/poesiasdeamizade/2776344), que nos deixou com uma bela perspectiva da prisão dos autistas em si próprios, revelando a importância dos gestos “…Quando uma teia…” deles próprios “…se rompe…”.
“Porquê?...” foi a primeira palavra do que se seguiu. E porque é que raio que não me lembro do que se falou?! Talvez o César tivesse razão. Ele estava “mesmo sabendo que a cabeça está”…(va)…”noutro lugar”.
O Miguel voltou, e numa tentativa de explicar a raridade nas lágrimas entre os autistas, proporcionou-nos o momento mais emocionante da noite com um poema lindíssimo. Começou com “Eu choro porquê? Na minha capacidade…” e continuou, num imenso jorrar de justificações para o frio olhar que possui. Acabou por mostrar que o tamanho do seu ‘chorar’ é demasiado. Que é feito para chorar apenas pelo não dimensionável. Disse: “… Eu choro por ti, com imenso orgulho.” Levou com o maior aplauso da noite (e com algumas lágrimas também!).
“Olho para os teus olhos” (http://66.228.120.252/poesiasdeamizade/2885504), disse, e fez quase um pedido de compreensão pela sua realidade. No fim pediu que o agarrássemos, com um subtil elogio: “Olho para os teus olhos azuis E quero ficar contigo…”.
Podia ter ficado por aqui, deixando-nos sedentos de mais, mas deu-se ao trabalho de nos “testar”. Tornou-se num contador de histórias. Mas que belas!
Contou como “O povo do Deserto” vê o seu mundo (http://66.228.120.252/poesiasdeamizade/2803834). Como acha tão sem sentido o que não faz parte da sua sociedade.
Falou até da cidade do amor, Paris, e da última biblioteca do mundo, aonde alguém escreve o último livro do mundo no qual faz uma análise da evolução da sociedade (http://66.228.120.252/poesiasdeamor/2879653).
Saibam que o Miguel é, até, um romântico! Revelou uma maravilhosa e ternurenta história de amor. “Ela, ele e as histórias”. Um casal ligado pelas histórias sobre a realidade que o apaixonado criava como forma de mostrar o mais fielmente possível à sua amada o que ela não conseguia ver.
Por fim ensinou-nos como eles, os autistas vivem e, de certa forma como poderíamos viver a felicidade pura. Falou sobre o “Povo breve”. O povo que viveu tão intensamente e tão bem que nem sequer se deu por ele (http://66.228.120.252/microcontos/1562176).

Não prestei atenção ao tempo, mas penso que depois desta partilha, o Miguel ainda nos deslumbrou por mais meia hora com a sua inteligência, ao permitir-nos abordá-lo com questões. “Não há perguntas estúpidas”, disse ele ao encorajar-nos.

Aprendemos, decerto. Nem que tenha sido, apenas, pela sua tamanha humildade asfixiada pelo seu descomunal talento.
Com jornadas destas, um dia destes ultrapasso os meus 164 cm de altura.

J



5 comentários:

Castelhano disse...

Bela reportagem!
Acentua a vontade de ter la estado!

Andreia disse...

Mesmo! Que bela e inspirada reportagem! Conseguiste passar muito bem a mensagem!

:)

Estás de parabéns!

Inês B. disse...

Gostei muito Carlos.

Fizeste-me recordar alguns pormenores que já tinha esquecido.

Obrigada por isso.

Temos mais um escritor de mão cheia!

inês a. disse...

admiro a tua memória, ponto 1, carlos. ou, pelo menos, a tua atenção! ;)
ponto 2, admiro também - e muito! - a tua capacidade de chegar 'antes' da Paula! (pois é Paulinha, no sítio errado à hora muito antes do tempo afinal não conta... ;P :*)
ponto 3, gostei das pizzas e da companhia.
ponto 4, nem todos tiverama sorte de fazer o "caminho das virgens"... eu fiz o 'caminho dos penosos' (mea culpa mea culpa), que equivale aos 125 (??) degraus das monumentais...
ponto 5, o Miguel é de facto um grande comunicador, mas tive pena de não ouvir mais poemas por parte dos outros 2 colegas...
ponto 6, acho que não precisas de passar os 165 cm, porque como escrevia o Fernando, “eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura…”... :)

Carlos disse...

:O
Obrigado pelos comentários. Não estava a espera de tantos!

@ Inês A. Evidentemente que tive um auxiliar de memória: fui apontando as primeiras e últimas frases dos poemas no telemóvel! Depois com a ajuda do link que a Susana partilhou foi só procurar. Tenho pena não ter conseguido encontrar o poema 'Eu choro porquê?'. Esse é absolutamente maravilhoso, acreditem.

Agradeço mais uma vez. E venham mais jornadas destas com adubo!